Este conteúdo sobre o novo código florestal foi produzido por Pedro Baracui, sócio do CQSFV advogados
Ao contrário do bioma Mata Atlântica, para o qual a Lei no 11.428/2006 criou regime jurídico próprio de proteção, a Amazônia não recebeu tratamento legal específico para controlar a exploração de sua vegetação. Assim, a esse respeito, a Lei no 12.651/2012, que “Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa” (Lei Florestal), é a matriz da disciplina jurídica da proteção da vegetação nativa e do uso do solo na região.
A Lei Florestal, conhecida como Novo Código Florestal, promulgada em maio de 2012, tramitou pelo Congresso Nacional por mais de dez anos e substituiu o antigo Código Florestal, Lei no 4.771/1965. A complexidade do tema também se expressou na imediata apresentação de ações declaratórias de inconstitucionalidade (ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937) e uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 42) em face do diploma legal.
Em fevereiro de 2008 o Plenário do Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento das ações, declarando a inconstitucionalidade de apenas dois dispositivos: artigo 3o, VIII, b, de forma a restringir a noção de “utilidade pública”, retirando do seu rol obras relacionadas a competições esportivas e de gestão de resíduos; e artigo 3o parágrafo único, de forma a retirar da lei restrição à aplicação de regime jurídico próprio das “pequenas propriedades” às terras indígenas e áreas de povos tradicionais. No caso de outros cinco pontos, o STF determinou “interpretação conforme”, pela qual certa leitura da norma é fixada como condição para determinar sua harmonia com a Constituição (art. 3o, VIII e IX; art. 3o, XVII; art. 4o, IV; art. 48§2o; e art. 59§§4o e 5o).
Conforme enuncia desde o início, a Lei Florestal tem por objetivo o “desenvolvimento sustentável”, o que qualifica e se alinha com um dos objetivos da República, estabelecido no artigo 3o, II da Constituição: o desenvolvimento nacional. Para isso, ela estabelece normas gerais “sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos”.
A lei traz algumas poucas previsões específicas para a região amazônica; na realidade, para o que ela define como “Amazônia Legal”: são os estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do estado do Maranhão.
Reserva Legal na Amazônia
Na Amazônia Legal, a Reserva Legal, que é a área dos imóveis rurais que deve ser mantida com cobertura de vegetação nativa, deve ser de 80% no imóvel situado em área de florestas, 35% no imóvel situado em área de cerrado e 20% no imóvel situado em área de campos gerais, tipos de vegetação existentes por lá. Caso um imóvel tenha mais de uma forma de vegetação, os índices são considerados separadamente. No restante do país esse percentual é de 20%, o que evidencia a principal regra de proteção da vegetação na Amazônia. A localização da Reserva Legal dos imóveis deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual.
No caso de municípios localizados na Amazônia Legal com cobertura florestal, a Reserva Legal poderá ser reduzida para até 50%, para fins de recomposição, quando o município tiver mais de 50% da área ocupada por “unidades de conservação da natureza de domínio público e por terras indígenas homologadas”; o mesmo poderá ocorrer quando o “estado tiver Zoneamento Ecológico-Econômico aprovado e mais de 65% (sessenta e cinco por cento) do seu território ocupado por unidades de conservação da natureza de domínio público, devidamente regularizadas, e por terras indígenas homologadas”.
Existem duas situações de exceção à aplicação dos percentuais fixados para Reserva Legal: nos imóveis de até quatro módulos fiscais que tinham área de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto, a Reserva Legal “será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008”. Outra exceção recai sobre proprietários ou possuidores de imóveis rurais que “realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão”, que ficaram dispensados de “promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos” na Lei Florestal atual.
Áreas de Proteção Permanente (APP)
A Lei Florestal trouxe diversas definições importantes, além das duas já referidas (Amazônia Legal e Reserva Legal). Outro conceito central, e que também serve para ampliar a proteção da vegetação na região amazônica, assim como em todo o restante do país, são as “áreas de preservação permanente: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.
As conhecidas APPs são objeto de todo o capítulo II da lei e têm regime de proteção próprio. De forma geral, elas estão relacionadas a áreas úmidas, como as margens dos cursos d’água, entornos de lagos e lagoas naturais, reservatórios, nascentes, veredas e manguezais; e a acidentes topográficos, como encostas inclinadas a mais de 45 graus, restingas, bordas de tabuleiros e chapadas, topos de morro e altitudes superiores a 1.800 metros.
No caso dos rios, a lei define faixas marginais de proteção segundo sua largura, variando de 30 metros para os cursos d’água de até 10 metros a 500 metros para aqueles com mais de 600 metros de largura, o que não é raro na região amazônica.
O regime dessas áreas obriga o proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título a manter a vegetação intacta, obrigação transmitida ao sucessor em caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural. Em caso de supressão de vegetação, há a obrigação de promover sua recomposição, ressalvados alguns usos autorizados pela lei. A possibilidade de uso alternativo do solo nas APPs está limitada às situações definidas como “utilidade pública”, “interesse social” e “atividades eventuais e de baixo impacto”.
As áreas de APP podem ser computadas na Reserva Legal dos imóveis, desde que isso não implique novas supressões, a área esteja “conservada ou em processo de recuperação”, e o imóvel tenha sido inserido no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Esse cadastro é um mecanismo de registro público eletrônico estabelecido pela lei para todos os imóveis rurais, cuja finalidade é integrar as informações ambientais (especialmente sobre a Reserva Legal e as APPs, mas também sobre Áreas de Uso Restrito, florestas e remanescentes de vegetação nativa e áreas consolidadas) das posses e propriedades, que compõem uma base de dados para controle e planejamento ambiental.
Outros mecanismos de proteção
Além dessas duas formas de proteção da vegetação, as APPs e a Reserva Legal, a Lei Florestal trouxe diversos institutos relevantes para a Amazônia, como a “exploração florestal”, que são as regras para o aproveitamento de florestas nativas e formações sucessoras públicas ou privadas, que deve ser licenciado ambientalmente mediante Plano de Manejo Florestal Sustentável. Estabelece um sistema de informações voltado para controlar a origem dos produtos e subprodutos florestais, como madeira, carvão e outros.
A lei limita, assim, a obtenção de recursos florestais àqueles obtidos em florestas plantadas, Planos de Manejo aprovados, supressão de vegetação nativa autorizada (por exemplo, dentro dos limites do permitido na Reserva Legal, ou nos casos em que a lei autoriza nas APPs) ou “outras formas de biomassa florestal definidas pelo órgão competente”. Como regra geral, a utilização da vegetação nativa autorizada impõe que se realize a “reposição florestal”, por meio de plantio de espécies nativas.
A lei também veda o uso do fogo na vegetação como regra geral, que apenas excepcionalmente pode ser autorizado, e cria normas para seu uso e para o controle de incêndios.
Lei dos Crimes Ambientais
Outra lei importante para a proteção ambiental, inclusive da Amazônia, a chamada Lei dos Crimes Ambientais (no 9.605/1998), que estabelece diversas sanções penais para aqueles que causam desmatamento fora das alternativas definidas em lei. Por exemplo, existe o crime de “Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente (…)” (artigo 38); “Provocar incêndio em mata ou floresta” (artigo 41); ou ainda “Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais” (artigo 45). O Decreto Federal no 6.514/2008 estabelece penalidades administrativas, como multas e embargos de atividade, para diversas situações relacionadas ao uso, dano e supressão de florestas e vegetação nativas, como no caso do artigo 16: “No caso de áreas irregularmente desmatadas ou queimadas, o agente autuante embargará quaisquer obras ou atividades nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência”.