Este conteúdo sobre os rios voadores da Amazônia foi construído em parceria com o Dr. Celso von Randow, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Conhecida como rios voadores, a umidade trazida da Amazônia para o centro-sul do Brasil exerce um papel fundamental no regime de chuvas do país, pois tem relação direta com o abastecimento dos mananciais. Por isso esse fenômeno é de extrema importância para nossa agricultura, produção energética e nosso abastecimento de água.
Mas como esse processo acontece e de que forma o desmatamento pode impactá-lo? Quando chove, boa parte da água escoa até os rios e é devolvida para o oceano. Porém, outra parte, muito significativa, retorna para a atmosfera na evapotranspiração. Esse processo engloba a evaporação da água contida no solo, em lagos e rios e a transpiração das plantas, que através de suas raízes retiram a água armazenada no solo e a liberam em forma de vapor para a atmosfera, por todo seu tronco, galhos e pelas pequenas aberturas existentes em suas folhas, que servem principalmente para trocas de gases na fotossíntese.
Na Floresta Amazônica, as árvores possuem raízes profundas, o que faz com que consigam acessar grandes quantidades de água, mesmo que estejam armazenadas a mais de 10 metros de profundidade no solo. Assim, mesmo nas épocas mais secas, quando não há muita água disponível nas camadas rasas do solo, as árvores conseguem captar água do solo profundo e manter taxas elevadas de evapotranspiração e altos índices de retorno da umidade à atmosfera.
Esse processo de reciclagem natural da água é muito importante para a formação dos rios voadores, mas não atua sozinho. Além desse processo, a Floresta Amazônica também alimenta a formação de nuvens e chuvas com a emissão dos compostos voláteis orgânicos biogênicos (BVOCs, na sigla em inglês), ou seja, os cheiros que exalam da floresta.
Ainda que haja muita umidade na atmosfera, para que ocorra a formação de nuvens é necessário que existam partículas no ar, como poeira, grãos de pólen e fuligem, que funcionam como núcleos de condensação, para que se inicie a deposição das moléculas de vapor e a formação de gotículas. Os BVOCs funcionam como essas partículas. Contando com uma atmosfera úmida e com a radiação solar, as substâncias oxidam-se e precipitam-se, formando uma poeira finíssima com afinidade pela água, gerando eficientes núcleos de condensação para a formação de nuvens.
Combinadas, a alta umidade atmosférica e a elevada capacidade de formação de nuvens formam um verdadeiro rio de vapor de água e nuvens, os chamados rios voadores. Esse rio se desloca pelo ar em direção ao oeste e depois curva-se para o sul, conduzido pelos Andes, já que a cordilheira dificulta a passagem desse ar úmido através dela.
Assim, a umidade amazônica é canalizada para a parte meridional da América do Sul, alimentando as chuvas e irrigando outras bacias hidrográficas, especialmente no verão, quando leva uma quantidade expressiva de vapor d’água para a região centro-sul do Brasil.
Como o desmatamento afeta os rios voadores na Amazônia
Esse é mais um dos muitos motivos pelos quais o desmatamento na Amazônia preocupa os especialistas. A floresta evapora muito mais do que áreas de pastagem, por exemplo. Embora em algumas épocas a evapotranspiração da pastagem seja relativamente elevada, devido à água disponível no solo e a muita radiação solar, no período mais seco o solo vai secando e a água é encontrada apenas em níveis mais profundos, que não podem ser acessados pelas raízes rasas das gramíneas.
A diminuição desse poder de evapotranspiração na pastagem reduz a reciclagem de água. Dessa forma, com o aumento das áreas de pastagem espera-se que uma parte maior da água precipitada retorne ao oceano, afetando o transporte de umidade da região Amazônica para o centro-sul do país.
Qual é a importância dos rios voadores
A umidade trazida da Amazônia para o centro-sul do Brasil tem, portanto, um papel fundamental no regime de chuvas do país. Alterações nesse ciclo podem impactar diretamente a agricultura, seja por mudanças no regime de chuvas, seja por disponibilidade hídrica para irrigação. Também podem comprometer a geração de energia, por impactos no volume de água nos rios utilizados pelas hidrelétricas e no abastecimento de água para consumo humano em centros urbanos.