Este conteúdo foi produzido pelo colunista Augusto Rocha, professor associado da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e diretor adjunto da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas
O Brasil possui um foco exacerbado na exportação de commodities agrícolas. Em certa medida, é um foco apropriado porque é a nossa principal pauta de exportações. Entretanto, precisamos ampliar a reflexão de infraestrutura para além deste propósito, sob o risco de sermos condenados a uma eterna condição de colônia para exploração de recursos naturais. Precisamos começar a construção de infraestrutura para outros propósitos, em especial para a indústria e serviços, que são setores da economia com muito potencial de crescimento e com maior eficiência econômica.
O DNIT e outras entidades nacionais têm realizado eventos e ações sempre com um olhar muito acurado sobre a soja ou milho para as hidrovias. As discussões para a concessão do Rio Madeira pouco ou nada tem deliberado sobre os impactos negativos na “hidrovia” do Amazonas, com seu expressivo trânsito de navios de maior porte, que deveriam contar com 12,8m de calado o ano inteiro.
Segundo estatísticas da ANTAQ (Agência Nacional do Transporte Aquaviário), o movimento de contêineres no país é crescente. Em 2024, os contêineres desembarcados no país cresceram 20,39% em TEUs (unidade de medida equivalente a 20 pés, tipicamente usada na navegação). Além do litoral, que é muito natural, com os portos Santos, Paranaguá, Itapoá e outros, há também instalações no interior, que depende do nível dos rios, como em Manaus, Vila do Conde e outros.
Se a seleção de contêineres desembarcados considerar apenas o Amazonas e Pará, o crescimento no movimento foi de 32,25%. Há uma enorme oportunidade para muito mais tráfego de contêineres no país. O descaso com o qual a “hidrovia” do Amazonas vem sendo tratada precisa mudar. As secas extremas de 2023 e 2024 causaram muito prejuízo e quem está liderando as soluções para este movimento crescente tem sido a iniciativa privada, com a movimentação de estações de transbordo.
A condição ideal seria que a navegação fosse perene que tivéssemos uma hidrovia, ao invés de uma “hidrovia”. Como exemplo, os serviços de dragagem custaram R$ 92,8 milhões em 2024, no trecho Manaus-Itacoatiara. Foram aproximadamente 200km e não resolveu a condição de restrição do trânsito de navios de contêineres. Ainda não há clareza ou transparência se foi efetivo e em que medida foi útil. A impressão que fica é que a liberação da hidrovia se deu pela chuva e não pelas obras.
O que se verifica é que esta obra atende a necessidade da indústria de Manaus e por isso, a prioridade parece ser pequena. Por exemplo, há um evento chamado de “Diálogos Hidroviáveis”, onde a questão do Rio Madeira é abordada, mas não percebemos esforços semelhantes para o Rio Amazonas. Entretanto, pelo Rio Madeira é onde é exportado o “agro” brasileiro. Faz séculos que a preocupação do país está voltada para a venda de produtos. É hora de expandir o foco para infraestruturas além das voltadas ao transporte de commodities.