Entre 10% e 40% da floresta amazônica pode alcançar o famoso “tipping point” ou “ponto de não retorno” nos próximos 25 anos.
Este conteúdo foi produzido pela colunista Dra. Janaína Guidolini, idealizadora da Accessible Science.
Por que isso importa: Quando alcançar o ponto de não retorno, a floresta amazônica será incapaz de se recuperar totalmente. Durante 65 milhões de anos, a Amazônia resistiu às variações do clima. Entretanto, a partir da década de 2000, a resiliência da floresta está diminuindo devido ao desmatamento, incêndios florestais, aumento da temperatura e das secas extremas mesmo nas partes mais remotas.
Por dentro do “tipping point”: Imagine uma planta que precisa ser regada diariamente para que ela cresça saudável. Inicialmente, se você esquecer de regá-la por um ou dois dias, ela resistirá sem sofrer muitos danos. No entanto, se a planta for negligenciada e deixar de ser regada, começará a murchar e suas folhas amarelarão.
O “tipping point” ou “ponto de não retorno” ocorre quando a planta atinge um ponto crítico onde ela perde tanta água que suas células começam a sofrer danos irreversíveis. Nesse ponto, mesmo que você comece a regá-la, a planta pode não conseguir se recuperar completamente.
Ou seja, existe um ponto em que uma mudança pode desencadear um efeito em cascata irreversível.
Os pesquisadores Bernardo M. Flores e colaboradores analisaram evidências para cinco principais causadores de estresse hídrico ou falta de água nas florestas amazônicas e os potenciais “tipping point” para cada um deles. Além disso, identificaram três possíveis transformações que a Amazônia poderá sofrer até 2050.
O artigo intitulado “Critical transitions in the Amazon forest system”(Em português: “Transições críticas no sistema florestal amazônico”) foi publicado em 14 de fevereiro de 2024 na Nature.
Para ir mais fundo: Os cinco principais fatores de estresse hídrico na Amazônia e seus respectivos “tipping point” são:
1) Aquecimento Global: Limite Seguro para a floresta amazônica: aumento de, no máximo, 1.5ºC acima dos níveis pré-industriais, respeitando o Acordo de Paris.
2) Chuvas Anuais: Limite Seguro para a floresta amazônica: 1800 milímetros por ano. Para áreas de várzea, o limite seguro é de 1500 milímetros por ano.
3) Variação sazonal da chuva: Limite seguro para a floresta amazônica: déficit de até 350 milímetros.
3) Duração da estação seca: Limite seguro para a floresta amazônica: cinco meses.
3) Desmatamento acumulado: Limite seguro para a floresta amazônica: 10% da cobertura original do bioma florestal, o que requer o fim do desmatamento em grande escala e a restauração de pelo menos 5% do bioma.
Savanização, não! Amazônia degradada, sim! As savanas tropicas ao sul e ao norte da floresta amazônica são ricas em biodiversidade e armazenam grande quantidade de carbono.
Logo, o termo “savanização” da Amazônia torna-se inadequado porque as transformações que a Amazônia poderá sofrer levam a ecossistemas degradados, pobres em biodiversidade e pouco armazenamento de carbono.
Das possíveis transformações que a Amazônia pode sofrer ao atingir o “tipping point”, temos:
1) Floresta degradada: geralmente dominadas por espécies nativas oportunistas;
2) Savana de areia branca: formada em áreas remotas da Amazônia onde as áreas de várzea sofreram, por diversas vezes, com incêndios.
3) Ecossistema de copa aberta degradada: regiões da floresta amazônica com chuva anual abaixo de 1800 milímetros atingidas pelo fogo. É dominado por espécies de árvores e palmeiras tolerantes ao fogo, e por gramíneas exóticas invasoras e plantas herbáceas oportunistas.
Pensando em pesquisas futuras sobre para a Amazônia, os pesquisadores sugerem melhorias nos modelos de sistema terrestre como: considerar a adaptação das árvores em diversos ambientes e dinâmicas; considerar diferentes situações de perturbação (fogo, exploração madeireira, efeitos de borda etc.) e a relação entre elas; reduzir as variações do modelo em projeções do clima amazônico.
Moral da história: Duas ações são fundamentais para manter a resiliência da Amazônia: 1) acabar com o desmatamento e a degradação das florestas e 2) restaurar as áreas florestais degradadas.
Referência
FLORES, Bernardo M.; MONTOYA, Encarni; SAKSCHEWSKI, Boris; NASCIMENTO, Nathália; STAAL, Arie; BETTS, Richard A.; LEVIS, Carolina; LAPOLA, David M.; ESQUÍVEL-MUELBERT, Adriane; JAKOVAC, Catarina. Critical transitions in the Amazon Forest system. Nature, [S.L.], v. 626, n. 7999, p. 555-564, 14 fev. 2024.