Este conteúdo foi produzido pela colunista Dra. Janaína Guidolini, idealizadora da Accessible Science.
A matemática do desmatamento esconde uma surpresa: pequenos e grandes proprietários de terra derrubam quase a mesma quantidade de floresta, mas transformam a paisagem amazônica de maneiras diferentes.
Um grupo de cientistas acompanhou a transformação da floresta amazônica por três décadas (1985 a 2015) por meio de imagens de satélite e revelou como diferentes formas de ocupar a terra – seja por grandes fazendeiros ou pequenos agricultores – deixam “assinaturas” únicas na paisagem da maior floresta tropical do mundo.
A pesquisa, intitulada Long-term landscape structure change in contrasting land occupation strategies of the Brazilian Amazon liderada pelo cientista Lucas Alencar, foi publicada na revista científica Land Use Policy em dezembro de 2024.
Por que isso importa: As descobertas mostram que não basta contar hectares desmatados. O desenho que o desmatamento deixa na paisagem faz toda diferença para a sobrevivência das espécies que dependem da floresta.
Ao desmatar a Floresta Amazônica, os grandes produtores rurais criam um desenho similar a um tabuleiro de xadrez. Em contrapartida, quando o desmatamento é feito por pequenos agricultores o desenho que fica na floresta é parecido com uma espinha de peixe.
Uma analogia para entender melhor: Imagine a floresta como uma folha de papel. Os pequenos agricultores fazem cortes finos e numerosos, como se usassem uma tesoura para fazer franjas. Já os grandes proprietários cortam grandes quadrados, como se usassem uma régua para dividir a folha em poucos pedaços. No final, você perdeu a mesma quantidade de papel, mas criou dois quebra-cabeças completamente diferentes.
Embora os padrões sejam visualmente distintos, os cientistas descobriram que ambos resultaram em áreas de desmatamento semelhantes ao longo do período estudado.
Em 2015, as paisagens com padrão tabuleiro de xadrez tinham entre 17,1% e 69,6% de cobertura florestal, enquanto as de espinha de peixe apresentavam entre 18,4% e 62,0%.
Impactos na biodiversidade: Tanto no tabuleiro de xadrez quanto na espinha de peixe havia níveis preocupantes de isolamento entre fragmentos de floresta. Enquanto as grandes fazendas criam “ilhas de floresta” isoladas e muito distantes umas das outras, as áreas de pequenos agricultores, mesmo mais recortadas, podem oferecer mais caminhos para os animais se moverem – é como ter várias rotas alternativas em vez de uma única estrada.
● Espécies como a Onça-pintada, por exemplo, precisam de grandes áreas contínuas para sobreviver, enquanto outras, como o Tamanduá-mirim, conseguem se adaptar melhor em paisagens fragmentadas.
Cientistas recomendam: É urgente repensar a forma de ocupar a Amazônia. Para isso, é necessário um novo modelo de ocupação que permita:
● O desenvolvimento econômico
● A preservação da floresta
● Aumentar a conexão entre áreas preservadas
Para ir além
● A pesquisa analisou imagens de satélite de 14 áreas diferentes da Amazônia
● Cada área estudada tinha 50 x 50 quilômetros
● É o primeiro estudo a comparar em longo prazo estes dois padrões de desmatamento
Moral da história: Não existe um vilão único do desmatamento; cada tipo de ocupação na Amazônia cria problemas e desenhos diferentes na paisagem. Portanto, para preservar a floresta, compreender isso é tão importante quanto conhecer os números de áreas desmatadas.