A Amazônia impossível de rotular

Acompanhe importantes debates sobre a economia da Amazônia trazidos pelo Dr. Augusto Rocha.

Este conteúdo foi produzido pelo colunista Augusto Rocha, professor associado da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e diretor adjunto da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas

O escritor moçambicano Mia Couto costuma deliberar sobre a profunda diversidade e as complexidades da África, que tipicamente é percebida como única. Padecemos na Amazônia de um fenômeno semelhante, onde nossas diferenças entre Estados Amazônicos são um tesouro e, mesmo entre nós, pouco nos conhecemos e poucos nos reconhecemos. Prevalece uma visão hegemônica, como se a Amazônia fosse uma, mas são muitas e suas culturas trocam experiências na velocidade e nos ritmos dos rios.

Há pouco de verdadeiramente tradicional na Amazônia, pois os índios (ou povos originários) e as suas culturas podem ser mesclados com os “ocupantes”, mas isso se dá em um nível superficial, pois os hábitos mútuos são percebidos numa relação ocupantes colonizadores e não como ocupantes irmãos ou de integração harmônica. Quando se fala em industrialização na região, prevalece a lógica da indústria de fora e desconectada dos recursos locais ou da industrialização de baixa escala, dos recursos naturais, salvo nas ondas destruidoras da mineração ou da agricultura extensiva.

Assim, rotular a grandiosidade da Amazônia como algo único é um equívoco. Há uma diversidade de “Amazônias” – poderíamos chamar assim no plural ou mesmo individualizar cada pequena origem, controlando os nomes e compreendendo suas singularidades. Relembrando Mia Couto, o “desenvolvimentês só convida a pensar o que já está pensado por outros”, onde “somos consumidores e não produtores de pensamento”. Enquanto a construção das Amazônias não for realizada pelas várias origens de identidade, vocações e diversidade, teremos métodos invasores e desconexos das culturas e das oportunidades locais.

As grandes metrópoles regionais, suas capitais, possuem fórmulas próprias de sucessos e fracassos, que precisam ser revisadas e revisitadas individualmente, ao invés de um programa regional, que será condenado a sucessos parciais. As diferentes vinculações das capitais com os interiores são ainda negligenciadas em todos os potenciais, pela falta de recursos e infraestrutura de transportes, como se os universos remotos precisassem continuar isolados dos grandes centros. Ao invés de procurarmos construir as muitas Amazônias, buscamos uma Amazônia idealizada que nunca será aquela real, pela distância que há das possibilidades de cada particularidade.

Há profundas diferenças entre São Paulo e Rio de Janeiro, tal qual há diversidade entre Amazonas e Pará. O foco na diversidade e o potencial da diversidade pode ser aproveitado, ao invés de ser percebido como uma unicidade falsa, tão ou mais errada do que a unificação dos países da África ou Ásia, como se fossem iguais. Cada localidade da região possui uma diversidade de potenciais, que só será aproveitada a partir do momento em que estes potenciais forem singularizados e tratados como individuais. Enquanto estivermos com um pensamento unificador e simplificador, teremos resultados cambaleantes e pífios frente ao enorme potencial.

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